Robertson Frizero

Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

Grande parte dos escritores são também críticos literários. Não se trata de uma relação de causa e efeito ou de necessidade, isto é, se é uma coisa, precisa também ser outra. Mas o fato concreto é que o gosto e o fascínio pela literatura fazem com que os interesses sobre o tema unam essas atividades.

Ao longo deste texto apresentaremos algumas dicas de como fazer crítica literária, mas antes explicaremos o que é uma crítica literária. Compreender essas nuances é fundamental para que possamos entender melhor o trabalho de produção de escrita criativa.

O trabalho de avaliação dos prêmios de literatura para obras já publicadas, são, a rigor, uma atividade de crítica literária (ou deveria ser). Isso porque são avaliados critérios formais e de estilo de uma determinada obra.

Vamos lá!

O que é crítica literária?

Tecnicamente falando, crítica literária é o trabalho de análise valorativa de uma obra, seja ela um romance, um livro de contos ou poemas. Normalmente o conceito é utilizado para se referir a um texto jornalístico ou midiático que se faz a respeito de um livro em particular.

Alguns aspectos são levados em conta, entre eles a linguística, a retórica e, até mesmo o método adotado. Em linhas gerais, pode-se afirmar que a crítica literária faz uma espécie de estudo sobre as características de um texto para depois publicizar seus erros e acertos.

Que tal, antes de começar, fazer uma ficha de leitura?

Antes de colocar a mão na massa, talvez seja interessante fazer uma ficha de leitura sobre o livro que você pretende analisar. Isso porque sua leitura será um pouco diferente daquela mais trivial, pois será uma leitura dirigida, com o propósito de escrever sobre o texto ao final.

Ter uma ficha de leitura do livro, pode ajudar a traçar um panorama mais claro sobre a obra, como um mapa mesmo, que será capaz de lhe socorrer sempre que tiver alguma dúvida. Alguns elementos essenciais são:

  • Título do livro
  • Autor da obra
  • Editora
  • Data de edição
  • Qual tipo de género literário se trata o livro
  • Que narrador é utilizado
  • Tempo da ação, ou seja, em que época se passa a estória
  • Onde se ambientam as ações
  • Quem são os personagens, principalmente os redondos (personagens planos podem aparecer desde que relevantes para a crítica)
  • A qual público se dirige a obra
Corpo feminino de costas diante de uma prateleira de livros e no lugar da cabeça há uma pilha de livros.
Imagem: Piqsels CC

Como fazer crítica literária

Em primeiro lugar é preciso ficar bem claro que não estamos propondo uma “receita de bolo” sobre como fazer crítica literária, mas, sim, apresentando critérios de análise.

No fundo, não há uma única fórmula, como se pode imaginar, mas para não cair em uma crítica simplesmente laudatória ou depreciativa é preciso levar em conta elementos básicos.

Lembre-se, o trabalho do crítico não é dizer se algo é bom ou ruim, mas como as escolhas do escritor funcionam dentro da proposta sugerida pelo livro. Às vezes pode não funcionar, por “N” razões. Nestes casos é justo que a crítica seja fiel aos fatos. Não é necessário, e menos ainda conveniente, pessoalizar esse trabalho, seja para elogiar ou criticar.

Fazer crítica literária pressupõe investigar se há coerência interna entre os argumentos, a linguagem e a trama do livro. Por isso um bom crítico deve evitar expor o próprio trabalho a conflitos de interesse que possam gerar constrangimentos a si próprios e aos escritores.

O que analisar em uma crítica literária

Apresentamos alguns elementos que podem ajudar na avaliação crítica de uma obra literária.

Título

Esta etapa, embora a tenhamos apresentado no início, é mais fácil de ser avaliada ao final da leitura e consiste, basicamente, em responder a questões como: o título se adequa à proposta do livro? Ele é atinente ou desconexo? Olhando-o em perspectiva, se adequa ao restante da obra?

Enredo ou trama

Do ponto de vista da estrutura narrativa, o enredo ou a trama cumpre a função de costurar os diferentes elementos que compõem o texto: os personagens, o conflito, as tensões internas à obra, o tempo e o espaço da narração.

Tendo essas dimensões em mente, é importante avaliar como tudo isso aparece na obra, por exemplo, se há conflito ou não, se a linguagem dos personagens é adequada ao tempo e espaço da narrativa, se as tensões que sustentam as passagens são coerentes, etc.

Tempo e espaço

Tempo e espaço é uma forma mais simples de dizer “contexto histórico”. E isso tem a ver com o período em que se passa a obra. Às vezes esse tempo e espaço aparece de forma expressa no texto, quando um personagem se dirige a outro com o pronome “vosmecê”. Neste caso se sabemos que a obra se passa num momento histórico passado.

Em outras ocasiões isso pode ser mais sutil, trazendo um acontecimento do passado, sem se referir diretamente a uma data, como, por exemplo, referir-se a eventos ocorridos durante o regime militar no Brasil. Neste caso, necessariamente, a história, qual seja, se passará entre os anos de 1964 e 1985.

Quanto maior o repertório de cultura geral do crítico, de modo que não basta apenas ler ficção, mais rica será a crítica. Isso porque o autor terá mais elementos para cotejar dados da ficção com a realidade, ainda que histórica.

Narrador

Saber identificar o narrador é fundamental. Normalmente a narrativa é contada desde a perspectiva da 1ª ou 3ª pessoa do singular. O narrador em terceira pessoa pode fazer parte do enredo, como personagem interessado nos conflitos, ou pode ser narrador omnisciente.

Neste último caso, ele ainda pode ser dividido em intruso – que se intromete na narrativa e opina a respeito dos acontecimentos ou personagens – ou observador – em que “apenas” narra os fatos sem interferir com opiniões.

O narrador em primeira pessoa pode ser um narrador não-confiável, também conhecido como seletivo. Neste caso, em uma narrativa ficcional longa o narrador em primeira pessoa pode ser ocupado por diferentes personagens, em diferentes capítulos, trazendo pontos de vista diferentes sobre um mesmo tema.

Saber identificar essas nuances é fundamental para que a crítica seja fiel à proposta narrativa do autor, identificando se as escolhas são adequadas ao efeitos de sentido pretendidos e ao público-alvo da obra.

Linguagem

A linguagem é a maneira como a obra é contada. É por meio dela que somos capazes de identificar o espaço-tempo (o contexto), quais são as diferentes personalidades dos personagens e a que mundo pertence a obra (lembre-se que a ficção científica e o realismo fantástico são mundos narrativos possíveis).

A língua portuguesa é rica em figuras de linguagem, são dezenas. As mais conhecidas são metáfora, analogia, hipérbole, entre outras. Este assunto é complexo e tema para outra hora.

O importante é o crítico conhecer, ao menos, algumas delas para que compreenda quais são os efeitos de sentido implicados no comportamento dos personagens, ao lançarem mão de um ou outro estilo de linguagem.

Personagens

Os personagens são aquilo que dá dimensão humana a uma narrativa ficcional. Eles podem ser redondos (complexos) ou planos (rasos). Os protagonistas, em geral, pertencem à primeira classificação, ao passo que os coadjuvantes à segunda.

Neste contexto é importante saber identificar quais são os conflitos dos personagens em relação à trama da história, em relação a si próprios, mas também a outros personagens que possam dar maior profundidade à narrativa.

Os personagens são, digamos assim, o “sal da terra” da escrita criativa. Nenhuma crítica literária pode ser boa sem que se leve em conta a forma como são construídos e apresentados.

Relevância social da obra

As obras são publicadas em diferentes contextos sociais, históricos e políticos. Um livro que hoje pode parecer pouco provocativo para os valores culturais da atualidade, pode ter sido um “escândalo” à época de sua publicação. Então novamente voltamos ao repertório do crítico como elemento importante de análise.

É possível que Oscar Wilde ou Emily Brönté não sejam vistos como ousados nos dias de hoje, mas tanto O retrato de Doryan Gray quanto O morro dos ventos uivantes foram livros disruptivos em suas épocas e não à toa viraram clássicos incontornáveis.

Compreender a relevância social de uma obra, requer ter uma visão para além do próprio livro, compreendendo como ele coloca em questão certos tabus o mesmo tempo que reforça outros. E esta contradição é que o dá força e sustentação a uma obra, pois foge do lugar comum do bem e do mal, do bom e do ruim. É o que dá “carne”, “ossatura” e “sangue” à ficção, ou seja, que confere humanidade à obra.


Ser capaz de levar em conta todas essas nuances é o trabalho de uma boa crítica literária, mas também sua maior dificuldade. Se por um lado todos que já leram um livro podem fazer um texto crítico, por outro a tarefa não é exatamente fácil. Mas seguir critérios claros pode ser um bom começo, com clareza e menos ingênuo.

Ainda que este texto não se proponha a ser o único parâmetro de avaliação, ele traz alguns elementos essenciais, ao menos para começar, para quem pretende ler com olhos atentos.

Clube de Criação Literária

Clube de Criação Literária é uma dessas ações de mecenato coletivo – neste caso, em favor do escritor e tradutor Robertson Frizero. Mas, como o próprio nome sugere, é uma ação de mecenato que traz, também, uma ideia inovadora no campo da formação continuada em Escrita Criativa.

Programação de maio do Clube de Criação Literária

A programação traz, em dias alternativos, alguns encontros já ministrados e que foram solicitados por vocês para uma reedição. Três novos temas serão apresentados nas quartas-feiras e, para compensar a primeira semana sem encontro, na próxima semana teremos um encontro também na segunda-feira.

Outra novidade este mês é o início de uma programação de cursos do Clube – a ideia é sempre trazer temas que não seriam normalmente abordados no CCL por conta da extensão da atividade. Esses cursos serão abertos ao público em geral, mas para afiliados do CCL há um desconto de 60% no valor. Caso indique um aluno para o curso que efetive sua matrícula, o afiliado ganha bolsa integral na atividade. O primeiro tema será a Escrita de Roteiros Audiovisuais.

Programação de maio de 2022 do Clube de Criação Literária
Imagem: Divulgação

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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