“O QUE HÁ EM UM NOME?” – Escolhendo títulos de impacto para os seus textos e livros
Robertson Frizero
A famosa frase é de William Shakespeare na tragédia “Romeu e Julieta” – Julieta diz a Romeu que seus sobrenomes, marcas das disputas e do ódio entre as famílias, nada significam diante do amor que sentem, usando estas palavras:
“What’s in a name?
That which we call a rose
By any other name would smell as sweet.”
(O que há em um nome?
Aquilo a que chamamos Rosa
Se tivesse outro nome, teria o mesmo doce perfume.)
Se a beleza dessas palavras em relação à experiência humana soam, por séculos, belas e acertadas, é falso aplicá-las à difícil arte de dar títulos a textos literários e livros em geral. E é fácil entender a razão: trata-se aqui de um arranjo de palavras que pode garantir o sucesso de uma obra ou simplesmente a enterrar no oceano de publicações disponíveis no mundo dos livros.
David Lodge, romancista e crítico literário britânico, em seu A Arte da Ficção afirma, ao falar de romances, que o título é “parte do texto – a primeira parte que encontramos, a bem da verdade – e [que] por isso tem um poder considerável de atrair e condicionar a atenção do leitor”. De fato, o título de um livro – ou mesmo de um texto apenas, seja um conto, poema ou crônica – transmite ao leitor um sem-número de ideias sobre o que ele irá encontrar naquelas palavras. Ali, o leitor pode perceber o tom da obra, o gênero e subgênero com os quais se alinha e até mesmo que posicionamento o autor tem sobre aquele tema proposto.
Os títulos podem sugerir muito. Podem informar, de imediato, quem é o personagem-principal ou o personagem-foco – pense em “David Copperfield”, de Charles Dickens; “Emma”, de Jane Austen; ou “Orlando”, de Virginia Woolf. Pense em “Clarissa”, de Érico Veríssimo, ou “Helena”, de Machado de Assis. Mas repare que o título homônimo às personagens carrega mensagens sutis – seja a referência a outras personagens de mesmo nome, como é o caso da Helena troiana do romance machadiano, ou mesmo a sugestão que o próprio nome traz por sua etimologia e origem, como o estranhamento nativo de “Iracema”, romance de José de Alencar. Uso isso em meu romance “Socorro Furtado” – além da associação direta entre o clamor do primeiro nome e a situação da personagem-título, há ainda o sutil jogo com o sobrenome, que o leitor só descobrirá lendo a obra…
Títulos de romances
Os títulos podem trazer também a ambientação, como “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brönte, ou “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa (Em tempo: já tinhas reparado no uso dos dois pontos nesse título do clássico romance brasileiro?); é o recurso que usei em “Longe das Aldeias”. Os títulos podem ainda trazer o tema central da obra – “Orgulho e Preconceito” e “Razão e Sensibilidade”, de Jane Austen; “Guerra e Paz”, de Liev Tolstói; “Gente Pobre” e “Crime e castigo”, de Fiódor Dostoiévski; “Os Miseráveis”, de Victor Hugo –; uma metáfora, como os títulos da série “Crepúsculo”, de Stephanie Meyer (cada um deles em referência a um acontecimento-chave de cada volume e formando um contínuo de descrição dos movimentos do sol!); ou ainda uma citação – “O Som e a Fúria”, de William Faulkner, é uma citação de Shakespeare; “Olhai os Lírios do Campo”, de Erico Veríssimo, é uma referência aos Evangelhos.
Qualquer que seja o caminho escolhido, é importante que o título fale mais sobre o livro que apenas servir de referência. É importante, por exemplo, que o título sugira a que gênero, subgênero e mesmo faixa etária aquele livro é destinado. “Horror na Colina de Darrington”, do brasileiro Marcus Barcellos, não deixa dúvidas de que o livro é um romance de terror – e ainda tem a genial sacada de ecoar como os livros e filmes norte-americanos do gênero que fazem parte do universo de seus leitores.
Fuja dos títulos genéricos
Esse mesmo efeito dificilmente se consegue com títulos genéricos demais – faça uma pesquisa e veja quantos livros disponíveis do mercado tem como título “O Casamento”, por exemplo. E que informações carregam esse nome? Quase nenhuma. Não consigo definir, sem olhar a capa e o que ela possa me sugerir visualmente, a que gênero ou subgênero um livro com esse título pertence, menos ainda a faixa etária de seu público-alvo…
O título precisa espelhar o leitor! Mais que isso: precisa ser de fácil recordação. Um título breve e sonoro fará muito mais pela obra que um outro de difícil memorização. Imagine que a obra estará boiando em um mar de referências e publicações; então, facilite o leitor dando-lhe um salva-vidas: um título que seja marcante e breve é o ideal. Lembro sempre dos títulos dos romances policiais de minha grande amiga Carina Luft: Fetiche e Verme. Breves, sonoros e muito instigantes para o gênero. O primeiro desses romances tem um título tão perfeito que foi mantido em sua tradução para o alemão: Fetisch. Perfeito!
Nem sempre a primeira ideia é a melhor
Um último recado é interessante compartilhar com os colegas escritores: desapeguem-se de seus títulos iniciais; sejam humildes em aceitá-los como títulos provisórios de suas obras. A escolha de um título de livro, principalmente, é algo que deve ser feito juntamente com o editor, que é o profissional que melhor entende o mercado editorial e seu momento.
Pedro Almeida, um dos maiores editores do Brasil, ex-curador do Prêmio Jabuti, com vasta experiência no mundo dos livros, diz que “o título de um livro é tão importante que pode marcar a sorte – toda a felicidade, todo o alcance – da obra que não é algo que possa ser ignorado, ou não possa ser mudado porque foi estabelecido há muito tempo; como editor, dou-me o direito de mudar o título de livro até o último momento“. Almeida, que é o nome por trás de fenômenos editoriais como “Marley & Eu” e “A Garota do Lago”, conta que já alterou nomes de livros a caminho da gráfica – e aquela mudança foi crucial para o sucesso da obra.
O nascimento do título “Longe das aldeias”
Devo falar da minha experiência pessoal – e que, aliás, envolve o mesmo Pedro Almeida, hoje meu querido amigo: quando eu estava buscando uma editora para o “Longe das Aldeias”, enviei o original para dois editores de São Paulo, indicados pela escritora Susana Ventura, queridíssima amiga, para que lessem o volume e dissessem se havia algum futuro no horizonte do mercado editorial… Um deles era Pedro Almeida; a outra, a grande Maria Conceição Azeredo. Ambos deram a mesma resposta: o livro é bom, para ganhar prêmios, mas o título não diz nada antes da leitura.
O título com que trabalhei desde o início do projeto era “Desmemórias”; soava bonito, era curto e memorável, e até oferecia uma ligação com o teor da obra. Mas, ao chegar na mesa de negociação com o editor Rodrigo Rosp, da Dublinense, já apresentei o original dizendo que o título era provisório. Ele achou estranho, gostava do título, mas as razões apresentadas por meus dois anjos-da-guarda editoriais convenceram-no também. E “Longe das Aldeias” foi salvo de um título fraco que, alguns anos depois, acabei vendo na capa de um outro livro…
Não sou o único a ter um livro salvo pela mudança de título nas mãos de um editor: “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, tinha sido batizado como “As Aventuras de Alice no Subterrâneo”; “Guerra e Paz” era “Tudo está bem quando termina bem”; “Orgulho e Preconceito” era “Primeiras Impressões”; e “A Máquina do Tempo”, de H. G. Wells, título que entrega tudo o que precisa para o leitor, iria se chamar “Os Argonautas Crônicos”.
Então, seja inteligente: mesmo muito consciente das razões pelas quais você criou aquele título, diga ao editor sempre que espera ouvir sua opinião sobre o nome do livro. Pode ser o início de um grande triunfo literário – e de uma amizade muito producente com seu editor.