Robertson Frizero

Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

Suspense. Esse é título do terceiro capítulo da obra de A arte da ficção de David Lodge que temos estudado e apresentado nas últimas semanas. O tema é autoexplicativo, mas gostaríamos de pensar e propor algumas breves considerações a respeito.

O termo “suspense” deriva da palavra suspender, isto é, de deixar algo pendurado – não raro, literalmente nas cenas descritas. Trata-se do gesto de deixar algo para o leitor que seja capaz de prender nossa atenção.

Para tratar desse tema, Lodge nos oferece um trecho do livro Um par de olhos azuis (1873), de Thomas Hardy. Vamos lá!

Quais são as perguntas centrais de um suspense

Talvez você nunca tenha formulado as questões de fundo que engendram um suspense, mas com certeza sabe quais são: 1) quem foi que fez tal coisa na narrativa?; e 2) o que vai acontecer agora? As perguntas, nos explica Lodge (p. 28), dizem respeito, respectivamente, a duas categorias: causalidade e temporalidade.

Essas duas perguntas aparecem juntas – às vezes de forma subterrânea – nos chamados thrillers, que é uma mistura de estória de detetive e estória de aventura.

O recurso do suspense não está restrito a esses tipos de narrativa e pode – e deve – aparecer em outras narrativas, como recurso retórico da trama (enredo) de uma ficção.

Parede com colagens de papel - Palimpsesto criativo
Imagem PixFuel/Creative Commons

Um par de olhos azuis, um exemplo literário e “literal” de suspense

Lodge nos apresenta duas cenas de Um par de olhos azuis, de Thomas Hardy, que são muito ilustrativas sobre o funcionamento do mecanismo psicológico do suspense. Comecemos pelo segundo exemplo que ele traz.

“Enquanto escorregava centímetro por centímetro[…] Knight deu um último impulso desesperado em direção ao tufo mais baixo da vegetação – um emaranhado de ervas secas onde a rocha aparecia em toda a sua desolação. Assim ele pôde deter a queda. Mas nesse instante Knight estaca literalmente suspenso pelos braços […]”

Um par de olhos azuis, de Thomas Hardy

Enquanto a cena acima é bastante descritiva da situação do ponto de vista do acontecimento “real” pelo qual passa Knight, a cena a seguir, que agrega camadas psicológicas à descrição, serve para situar, de um lado o perfil do personagem em apuros e o contexto social em que se passa a obra.

No início quando a morte parecia improvável por nunca lhe ter feito uma visita antes, Knight não conseguia pensar no futuro nem nada referente ao passado. Só era capaz de lançar um olhar duro à Natureza pérfida que tentara dar-lhe um fim e de lutar contra ela.

Como o penhasco formasse a face interna do segmento de um cilindro oco, com o céu no alto e o mar embaixo, rodeando a baía quase pela extensão e um semicírculo, ele enxergava a face vertical curvando-se à direita e à esquerda. Olhou para baixo do paredão e percebeu com mais clareza o quanto estava ameaçado. O horror aparecia em cada detalhe e, até as entranhas, aquela forma hostil era pura desolação.

Graças a uma dessas coincidências familiares com que o mundo inanimado instiga a fantasia do homem que para em momentos de suspense, diante do olhar de Knight havia um fóssil incrustrado, surgindo em baixo-relevo na rocha. Era uma criatura com olhos. Os olhos, mortos e petrificados, ainda assim o encaravam. Era um dos antigos crustáceos chamados de trilobitas.

Separados por milhões de anos em vida, Knight e a criatura pareciam ter se encontrado na hora da morte. Até onde a vista alcançava, essa era a única ocorrência de algo que um dia houvesse estado vivo e tido um corpo a salvar, como ele tinha agora de salvar o seu.

Um par de olhos azuis, de Thomas Hardy

Como podemos notar, Knight é um vitoriano intelectual, a par das descobertas científicas de sua época, especialmente da geologia e da história natural famosa à época devido aos trabalhos de Charles Darwin (LODGE, p. 30).


Estar atento a esses fios narrativos é fundamental quando pretendemos escrever uma ficção em suspense que seja verossímil. Lançar mão de diferentes estratégias pode tornar seu texto e sua narrativa muito mais ricos em detalhes e em perspectivas.

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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