Robertson Frizero

Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

Robertson Frizero

O escritor precisa de janelas abertas e com vista para o mundo.

Não é sempre que isso acontece — infelizmente, há autores que não conseguem alugar um imóvel que lhes ofereça tal possibilidade. Nota-se em sua obra: suas histórias acabam circum-navegando seus próprios umbigos, sempre conduzidas pelas correntes profundas de seus próprios traumas e experiências. Não conseguem projetar suas aventuras e desventuras na vida de outros — mesmo se feitos de papel e de ideias. Não é sua culpa: apenas não conseguiram ainda expandir seus horizontes.

Há também os escritores que até tem amplas aberturas em sua morada interior, mas preferem manter as janelas fechadas e conversar apenas com o pequeno círculo de amigos espalhados nos sofás de sua ampla sala de estar. Basta-lhes esse diálogo com seus pares e iguais. Não precisam olhar para fora, buscar qualquer semelhança entre suas existências — que não raro creem ser elevadas demais — e o que vive o vulgo. Por isso os muros altos e as portas de correr que dão acesso apenas ao pátio interno de seus mundinhos fechados. Querem leitores, mas não o contato com suas pobres rotinas e sentimentos.

Alguns autores vivem em cavernas, como ermitões. Já não escrevem senão bissextamente, e algo tão distante da concretude do momento que parecem profundos e inalcançáveis, lá nos Alpes Castiços da Filosofia Pura.

Outros residem em pequenos cubículos arrendados nos círculos nobres da Alta Literatura — o que os obriga, no entando, a saber usar os talheres certos, as frases apropriadas, as ideias obrigatórias e a cuspir na escarradeira sem errar a mira. São forçados a gostar do que não gostam e a aplaudir o que obrigatoriamente deve ser aplaudido. Que importa se habitam um pequeníssimo cômodo? Pertencer é o que importa.

Prefiro estar entre os que carecem, como eu, de amplas janelas, balcões que se projetam para a rua, sacadas que se deixem penetrar pelos galhos frondosos das árvores, pelos pássaros perdidos ou mesmo pelo ar poluído do mundo, com seus odores desagradáveis de realidade crua. Gosto de olhar para fora e deparar-me com um espelho: estar cercado de gente que ri, sofre e sangra como eu é o que me faz escrever. Não raro, debruço-me nas muretas e aceno para meus personagens; trocamos gentilezas e impressões sobre o tempo e os tempos nossos; a proximidade faz com que muitos deles aceitem o convite para entrar e tomar um chá — e infusões, todos sabemos, amolecem o corpo a ponto de desprender as mais íntimas confidências. É disso que vem a minha Literatura: do que coleto dos segredos do mundo e consigo compor com minha própria história, meus fracassos e incertezas. Para que ter janelas amplas se não for para também me expor ao mundo?

O escritor, o bom escritor é um voyeur por vocação — não raro, de si mesmo.

Robertson Frizero, escrito ao meio-dia da celebração dos duzentos e vinte anos de nascimento de Nathaniel Hawthorne — um escritor com amplas janelas em sua mente fértil.

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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