Robertson Frizero

Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

Robertson Frizero

Logo, existo. Mas, agora, não tenho tempo para isso. A vida anda corrida demais para pensar em existência.

Antes de existir, preciso reunir forças para sair da cama depois de uma noite mal dormida, em vigília na terra das preocupações miúdas e autoimpostas — ou do sofá, onde tenho muitas vezes desmaiado na tentativa de distrair a mente antes de tentar ter um sono tranquilo.

Antes de existir, e quando dá tempo, preparo qualquer coisa como café-da-manhã — chamar aquilo de pequeno almoço, como fazem os portugueses, seria inconcebível. E então, ainda não existindo, entro em um carro de frete e sou levado, em transe, para o meu trabalho — por sorte e pura casualidade em um mundo tão caótico, lá é um lugar com gente agradável e algum conforto para passar mais horas esquecendo de mim.

Outro carro alheio leva-me de volta ao fim da tarde, em uma velocidade suficiente para eu chegar em casa antes de existir. A rotina faz com que eu me sente no banco de jardim ao lado da porta de entrada, e ali gaste alguns minutos — dez, vinte, sessenta — ouvindo músicas de outros séculos para fugir da existência que me aguarda lá dentro. Quando o sol partiu e os olhares dos vizinhos já chegam a conclusões precipitadas sobre minha saúde mental, entro na sala vazia, olho para a cozinha vazia e a escada sem ninguém. Nos dias em que tenho sorte, muita sorte, o homem que eu amo me espera no sofá da sala enquanto destrói robôs inimigos ou constrói aeronaves com o poder de uma vareta a laser com seus amigos sem rosto do outro lado do videogame. Mas sempre ganho um abraço rápido que aprendi ser um eu te amo — e fico feliz.

Antes de existir, ainda tenho algum tempo para pensar na vida. E na morte, sobretudo quando alguém querido, próximo ou distante, resolve partir antes de mim. São momentos duros, em que sou forçado a pensar na existência — coisa difícil quando se está tentando cumprir tudo o que vim fazer nesta vida antes de existir.

Existirmos, a que será que se destina?

Na celeridade da vida, vou me enchendo de trabalho, troco gentilezas com amigos distantes no mundo, discuto política mundial com os meus botões, choro com vídeos forjados de generosidade humana — pagos fielmente com curtidas — e sigo em frente. Os dias sucedem-se, sempre iguais e tão diferentes. Repito o ritual diário, na esperança de que as pequenas mudanças de cada volta do mundo sigam me dando a sensação de que avanço, nem que seja cosmologicamente. Mas sei que só existo mesmo para aquele carinho ligeiro, mas sincero, do meu amado filho ao fim da tarde.

Robertson Frizero, lá pelas 15h30 do Dia de Santo Antônio, em 2024.

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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