Os zumbis estão chegando! Dez filmes sobre o tema
Robertson Frizero
Zumbis existem. E não é história de cinema – nem é como os filmes nos ensinaram a ver os mortos-vivos. Mas que existem, existem.
Em 1980, Clairvius Narcisse entrou no vilarejo de L’Estere, no Haiti, e apresentou-se à família depois de um longo tempo desaparecido. Os familiares só acreditaram que era mesmo ele ao ouvirem as histórias do passado e o apelido de infância que ele usou para se identificar. A razão do espanto era simples: Clairvius Narcisse tinha sido visto pela última vez dentro de um caixão, prestes a ser enterrado, quando tinha apenas dezoito anos.
O caso Narcisse motivou uma ampla investigação nos anos 1980. Antropólogos, biólogos e outros cientistas de diversas áreas da medicina acorreram às vítimas em busca de respostas. Descobriu-se então que alguns feiticeiros vodus conseguiam colocar as pessoas em um estado catatônico semelhante à morte – e, depois, secretamente, resgatá-las do sepultamento e reanimá-las, mantendo-as depois em estado semicatatônico, trabalhando como verdadeiros escravos zumbis em suas plantações.
Não sei como os roteiristas de cinema nunca adaptaram essa incrível história real. Mas os mortos-vivos tornaram-se um novo subgênero de terror em expansão nas últimas décadas. O curioso é a evolução dos zumbis ao longo dessa recente obsessão dos roteiristas e diretores por essa vertente do cinema de sustos.
A fonte inicial era essa informação básica oriunda da cultura haitiana – zumbi é uma palavra da língua quimbundo que significa exatamente defunto. No vodu, os zumbis são mortos que retornam à vida graças a rituais de magia; nessa semi-vida, os zumbis teriam hábitos noturnos e viriam para se vingar das pessoas que lhes teriam feito mal em vida. Mas, por ausência de cérebro, agiriam apenas com os instintos básicos mais primitivos – o que incluiria ver nos humanos vivos apenas presas para o abate.
O cinema foi bebendo aos poucos dessa fonte e criando, filme a filme, um novo mito. Se nos primeiros filmes de zumbi os mortos-vivos arrastavam-se lentamente para atacar os vivos – afinal, estavam saindo da tumba e com várias partes faltando de sua anatomia carcomida… –, atualmente os zumbis são velocistas e sua transformação é praticamente automática. Como um admirador do gênero – não me perguntem a razão –, fiz uma lista bem limitada de dez produções (mais duas) – filmes (podemos falar de séries, incluindo um reality show zumbi, em um artigo posterior, se interessar) que o leitor interessado pode acessar nas plataformas de streaming mais conhecidas, por sua conta e risco. Nos comentários, o leitor perceberá como se deu no cinema a evolução (?) do mito dos zumbis até chegarmos ao estado atual da cine-necromancia… Farei também um comentário breve, ao final de cada resumo, do nível de tensão, do tipo de zumbi e do tempo e forma de contágio…
MADRUGADA DOS MORTOS (2004)
Zack Snyder aparece em dois momentos nesta lista, e este é o seu melhor momento, já adianto: Madrugada dos Mortos tornou-se um clássico do gênero – mesmo sendo, é bom lembrar, uma refilmagem inteligente de um dos clássicos iniciais dos filmes de zumbis, o Despertar dos Mortos (1978), de George A. Romero (o outro digno de menção é A Noite dos Mortos-vivos (1968), do próprio Romero, com zumbis que ainda se arrastavam. O filme começa com uma fantástica cena de abertura que parte de um cotidiano despertar e lança o espectador diretamente no olho do furacão. Em pouco tempo, esquece-se que a enfermeira loira da primeira cena é a protagonista que se deve acompanhar – Snyder coloca em um shopping center um elenco crescente de personagens com suas manias e motivações, lutando como podem contra uma horda enorme de zumbis que, não se sabe o porquê, acabam se concentrando em volta do tal shopping. Uma crítica ao consumismo? Talvez. Mas o dinâmico roteiro é mais que isso: une humor, sustos e bizarrices para todos os gostos, com direito a um bebê zumbi que tirava o sono dos primeiros espectadores, então não acostumados aos efeitos especiais do cinema. Os zumbis são rápidos, mordem e mantém o nível de tensão suficiente para se ficar atento à tela sem desviar muito a atenção.
GUERRA MUNDIAL Z (2013)
Não conheço os quadrinhos que teriam dado origem ao filme, mas creio que o roteiro deste filme-catástrofe com zumbis merece ser destacado dentro desse gênero. É terror-aventura, se podemos dizer assim, com Brad Pitt no papel de um ex-colaborador da ONU convocado às pressas para atuar na frente de combate em busca de uma cura para a epidemia de zumbis que se espalha pelo mundo. O personagem de Pitt é altamente treinado pela vida e não perde a calma nem mesmo para amputar um…não vamos adiantar nada do enredo. Tive o privilégio (?) de assistir ao filme em uma tela IMAX 3D e recomendo não recomendando – quase morri da tensão contínua do filme. Os gatilhos estão todos ali: o herói que aceita salvar o mundo por causa da família, a filha asmática, um filho agregado postiço que salvam no caminho, problemas no avião… Tudo isso enquanto escapam por pouco dos zumbis mais rápidos e desesperados do cinema, mistura de velocistas e acrobatas, capazes de se empilhar como legos ou pularem de penhascos sem nem questionar – não que eles tenham cérebros funcionando de qualquer forma. É um dos poucos filmes que te dá até o número de segundos necessário para que a contaminação faça efeito. Mas as explicações estão todas ali – inclusive para o final belamente construído. Fala-se em uma sequência em breve – o que é muito coerente com o final deste primeiro filme. Sem exageros, é um dos melhores filmes do gênero.
RESIDENT EVIL – O ÚLTIMO CAPÍTULO (2016)
Umbrella corporation, Racoon city, Alice, zumbis carnívoros de laboratório… Se essas palavras não despertaram nada em você, é porque passaste incólume pela febre dos videogames da série Resident Evil e seu universo. Os filmes – foram vários, somando longa-metragens, sejam live-action ou animações, e séries derivadas – buscam manter o mesmo nível de tensão dos jogos e convencer com a intrincada trama capitalista que teria lançado o mundo em um apocalipse zumbi por ganância corporativa… Mas não convencem muito. O melhor da franquia será sempre Milla Jovovich, que dá veracidade a uma personagem bastante inverossímil e cuja beleza e carisma parece só aumentar ao longo dos anos… Os zumbis são uma ameaça assustadora e rendem uns bons sustos.
ORGULHO, PRECONCEITO & ZUMBIS (2016)
Sim, é isso mesmo que você já pescou: o célebre romance de Jane Austen acrescido de zumbis aterrorizantes. E funciona maravilhosamente bem! Continua ali a mesma crítica social do romance original, mas agora com a ameaça constante de zumbis soltos pelos campos ingleses. A diferença de classes é marcada, por exemplo pelo local para onde as famílias enviam seus filhos para treinar artes marciais e, assim, defenderem-se daqueles deselegantes mortos-vivos: as famílias aristocráticas mandam seus filhos e filhas para o Japão; as menos abastadas, para a China, mais baratinha… Nesse imbroglio, o romance confuso entre Elisabeth – vivida pela perfeita Lily James – e Darcy. Diversão garantida. E horror – o filme não alivia na tensão e no asco ao lidar com seus zumbis. O filme acerta também ao estabelecer zumbis em velocidade normal e compreensível estado de putrefação. Realismo histórico – é fácil imaginar que a Inglaterra agiria daquela exata maneira se os zumbis tivessem eclodido em pleno século XIX;
INVASÃO ZUMBI (2016)
O filme do coreano é uma obra-prima do gênero. Sabe explorar as vantagens da ambientação restrita – a trama acontece quase toda dentro de um trem em movimento – e as histórias pessoas de diversos personagens, sem perder o foco no drama principal do pai workaholic que tenta compensar sua ausência levando a filha para visitar a mãe da menina em uma cidade distante bem no dia em que eclode um apocalipse zumbi na Coreia do Sul… A tensão é constante; os zumbis são do tipo velozes & furiosos; e o contágio é semi-automático – os contagiados mais importantes chegam a fazer breves discursos – e via mordida…
CARGO (2018)
Um filme de zumbis australiano que consegue balancear horror e drama, em uma história que chega a comover em diversos momentos. Traz um pouco da própria história da Austrália e sua relação com aborígenes ao mostrar uma pequena família – um casal e uma bebê – que desce um rio pacífico em busca de fugir de uma epidemia zumbi da qual jamais se fala e nada se explica. Esse, aliás, é um dos acertos do roteiro: ele não se rende à tentação fácil de explicar demais em diálogos das personagens, arriscando a verossimilhança das conversas entre aquelas pessoas. Tudo é sugerido e facilmente captado pelo espectador. Bem, as circunstâncias vão se complicar rapidamente para esses personagens e o espectador passa a acompanhar sua luta pela sobrevivência – que inclui o destino de brancos e aborígenes nesse novo cenário de caos. As interpretações são incríveis e o drama é mantido naturalmente pelo roteiro bem escrito. Comovente, mais que assustador.
#ALIVE (2020)
Feito em plena pandemia, é um filme tenso do início ao fim. É angustiante porque, de início, deixa-nos colado ao protagonista, um jovem nerd que acorda e descobre que está sozinho em casa e o mundo está tomado de zumbis. A solidão faz com que ele tenha que assumir as decisões sobre sua sobrevivência. No auge do desespero, acaba descobrindo que há outros como ele. Rende até uma metáfora ao covid-19… O roteiro é muito bem construído, com momentos de verdadeiro horror e alta tensão desde o início. O contágio é pela mordida e os zumbis relativamente rápidos.
ARMY OF THE DEAD – INVASÃO EM LAS VEGAS (2021)
Zack Snyder sabe dirigir filmes de ação e tem uma maravilhosa plataforma em Hollywood para fazer isso de maneira grandiosa. O filme traz todos os elementos de um bom blockbuster norte-americano – heróis que carregam um passado mal resolvido, uma tragédia de proporções épicas, munição infinita e armas que nunca engasgam. Aqui, os zumbis são o impedimento para que um grupo de ladrões muito especializados, reunidos para aquela específica missão, adentrem uma Las Vegas isolada por conta de uma eclosão de zumbis e resgatem uma fortuna em um cofre impossível de ser aberto, mas que eles logicamente acessarão com habilidades incomuns. Muita tensão, sustos, morte de personagens que o espectador considerava essenciais e tudo o mais que uma grande produção de filme de ação hollywoodiano pode ter. Tem sua graça, é altamente irônico o filme, mas no quesito zumbis é um tanto exagerado – há zumbis pensantes, dentre eles um aspirante a Átila, rei dos hunos, com direito a uma companheira igualmente letal. Enfim, zumbis ágeis e estrategistas, que destroem contaminando em um filme de muita tensão, mas que se torna meio esquecível assim que se acaba de assistir. Recomendo ver EXÉRCITO DE LADRÕES – INVASÃO DA EUROPA (2021), uma história sobre a escolha de um dos ladrões antes das ações de Las Vegas, um filme bem mais inventivo e interessante, do mesmo diretor.
BASTARDOZ (2022)
Se o título remete a “Bastardos Inglórios” de Quentin Tarantino, é proposital: o filme passa-se em plena revolução espanhola, quando um grupo de opositores de Franco descobre que os nazistas estão na Espanha, com o conluio do governo fascista, para levar a cabo uma experiência com…zumbis! O filme é essa bizarra mistura de história, humor que não faz rir muito e terror que não consegue aterrorizar demais. A tensão até ocorre, mas não é um filme memorável a não ser pela fusão de ficção histórica e mortos-vivos. A velocidade dos zumbis é até tolerável.
100 COISAS PARA FAZER ANTES DE VIRAR ZUMBI (2023)
Esta comédia japonesa é uma ótima diversão para os amantes do gênero. O protagonista é um jovem rapaz que, recentemente, conseguiu conquistar o seu primeiro emprego. Mas o lugar é um purgatório – ele não tem mais vida; trabalha muitas horas-extra e deixa de fazer tudo o que lhe dava prazer na vida. Por sorte, eclode um apocalipse zumbi que lhe traz uma nova perspectiva de vida – ele vê como inevitável seu fim e resolve fazer uma lista de cem coisas que quer fazer na vida antes de virar um zumbi (daí o título). Há, sim, a tensão habitual da luta pela sobrevivência, mas em pouco tempo o espectador perceberá que o filme é uma bem-humorada crítica ao capitalismo à japonesa. O roteiro não está preocupado em explicar nada sobre a origem do mal – a metáfora maior aqui é outra. Os zumbis são semi-atléticos e o contágio é por mordida mesmo. Para assistir comendo pipoca e sentir-se satisfeito, não raro fazendo a sua própria lista do que fazer antes do fim dos tempos. O filme é uma das adaptações para o mangá homônimo de Haro Aso e Kotaro Takata – a outra, também disponível no mesmo streaming, é em anime e curiosamente produzida no mesmo ano.
E, em uma categoria muito especial, TODO MUNDO QUASE MORTO (2004), um filme franco-britânico feito no mesmo ano do Madrugada dos Mortos de Snyder, é o filme mais divertido de zumbis jamais feito. O título original traz o nome do protagonista, Shaun of the Dead – Shaun, vivido pelo genial Simon Pegg (o expert em tecnologia da franquia Missão: Impossível –, é um trabalhador comum que sustenta um amigo vagabundo que frequenta sua casa e por lá vai ficando… Depois de levar um ultimato da namorada, que não aguenta mais a falta de ambição de Shaun, ele desperta de uma noitada com os amigos em pleno apocalipse zumbi. Shaun torna-se o herói possível para salvar seus amigos e impressionar a namorada; acabam todos refugiados no lugar preferido de Shaun – o pub da esquina, único lugar para onde ele sempre leva a namorada… O filme é uma comédia rasgada que faz referência aos clássicos filmes de Romero filtrados pelo inteligente humor britânico. Tudo que pode dar errado dará e o final é perfeito, simplesmente hilariante.
O outro filme que não poderia faltar nesta categoria especial é ZUMBILÂNDIA (2009), uma comédia muito bem escrita que brinca justamente com os clichês do gênero. O protagonista é Columbus, um nerd atrapalhado vivido por Jesse Eisenberg (de “A Rede Social”), conta sua história de como conheceu os outros três membros do improvável quarteto de sobreviventes do fim do mundo – todos se chamam pelo nome da cidade de origem e Columbus vai enumerando ao espectador as regras para se dar bem em Zumbilândia (ou seja, nesse novo mundo repleto de zumbis). É um humor americano, mas inteligente e nada escatológico, com direito a uma sequência hilariante com Bill Murray vivendo (e morrendo) ele mesmo. E que filme não fica melhor com a loucura de Woody Harrelson e seu Tallahassee? O ótimo elenco ainda reúne as irmãs espertas Wichita (Emma Stone, a oscarizada atriz de “La La Land”) e Little Rock (Abigail Breslin, a menininha de “Pequena Miss Sunshine”). É diversão garantida em um roteiro bem construído. Ganhou uma sequência, ZUMBILÂNDIA 2, também disponível no streaming, mas bem menos inspirada. O primeiro foi um sucesso tão grande que vai virar uma série em breve.
Faltou algum? Certamente que sim. A lista não pretende ser completa, nem o espaço gentilmente cedido pela titular da coluna é infinito. Mas se houver alguma sugestão de filmes que deveriam estar por aqui – ou interesse para que o tema ganhe sua versão de séries zumbis –, é só entrar em contato antes que o apocalipse zumbi nos atinja.