Robertson Frizero

Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

“Livros precisam circular” – O nascimento de um sebo itinerante

Depois de vinte anos de Porto Alegre, cidade onde começou a sua carreira literária, Robertson Frizero viu sua vida mudar em novembro de 2019, quando se deparou com uma oportunidade irrecusável de se mudar para Florianópolis menos de um mês depois. A preparação para a mudança fez ele vislumbrar algo surpreendente: espalhada por seu escritório de trabalho, seu Ateliê Literário – onde ministrava suas oficinas literárias – e em seu pequeno apartamento de um quarto no Centro da capital gaúcha, o escritor tinha uma biblioteca que beirava mil volumes! Foi então que Frizero decidiu algo que poucos apaixonados por livros têm coragem de fazer: desapegar-se de sua coleção, reduzindo-a aos títulos que considerava essenciais para seus projetos e estudos correntes.

O acervo foi dividido em três partes:

  • em algumas caixas, foram empacotados os livros dos quais Frizero não podia se desfazer – as obras autografadas, os títulos raros, os livros teóricos de uso mais frequente, os volumes de valor sentimental e a sua própria produção literária;
  • uma segunda parte foi dedicada às obras de autores gaúchos, doada para o Instituto Estadual do Livro (IEL), que à época tinha uma campanha de incremento de sua coleção e aceitava doações de livros de escritores locais;
  • e uma terceira parte, dedicada àqueles livros que mereciam circular por outras mãos: livros que podem ser facilmente encontrados se surgir uma necessidade de releitura; livros adquiridos por impulso e que dificilmente seriam lidos; livros novos, jamais abertos, que mereciam melhor sorte nas mãos de outros leitores…

O nascimento de um sebo

Conta Frizero que a decisão não foi nada fácil. Mas ele tinha uma resolução firme: diminuir sua biblioteca e fazer com que suas aquisições de tantos anos servissem a outros leitores. Não sabia ainda onde iria morar na capital catarinense – e não queria correr o risco de disputar espaço com tantos livros por puro egoísmo. Foi assim que surgiu a ideia de que seus livros se transformassem no acervo inicial de um sebo. Ao grande volume de livros usados e novos, Frizero ainda juntou algumas cópias de títulos próprios, recebidos das editoras em negociações de fim de contrato e esvaziamento de estoque. “Livros precisam circular e não fazia o menor sentido eu, sozinho, viver rodeado de livros que jamais leria ou voltaria a ler”, conta o escritor.

Foto com três pessoas no segundo plano, à esquerda, e uma pessoa em primeiro plano à direita.
(Esq): Aqui nasceu o Sebo Essencial: em uma visita ao Ateliê Literário, em Porto Alegre, Carina Luft, Maria Fernanda Lenhardt, Robertson Frizero e Claudia Lenhardt. (Dir): claudia Lenhardt e Carina Luft, as administradoras do Sebo Essencial.

Para herdar esses livros, não havia ninguém melhor que Claudia Lenhardt, amiga e super-leitora da cidade de Montenegro, no Rio Grande do Sul, com quem Frizero já havia participado de inúmeros eventos e projetos literários no município. Foi dela a ideia de transformar o acervo em um sebo.

“Claudinha é uma agitadora cultural e uma apaixonada pelos livros. Não havia uma mãe melhor para adotar os meus filhos de papel”, brinca o escritor. O convite foi consolidado em uma viagem relâmpago para Porto Alegre, na qual Claudia contou com uma cúmplice literária – a escritora Carina Luft, grande amiga dos dois, convertida em transportadora de livros! “Foi um projeto que elas aceitaram de imediato e, por isso, teve muito carinho envolvido desde o início. Só assim para consolar um bibliófilo como eu a se ‘desfazer’ de tantos livros…”, recorda Frizero.

Sebo essencial

O nome do sebo foi sugestão de Frizero – “Sebo Essencial” tinha muito a ver com as conversas dos três amigos sobre minimalismo, vida simples, consumo consciente, reciclagem de ideias… Nesse espírito, o sebo já nasceu virtual, com divulgação pelas redes sociais e entrega de livros na casa dos leitores dentro de Montenegro. A iniciativa do escritor acabou motivando outros escritores montenegrinos a também doarem livros para o Sebo Essencial. Em pouco tempo, o sebo já se tornava também um ponto de vendas dos lançamentos de autores da cidade e uma importante referência cultural.

E o momento não poderia ser mais propício. Poucos meses depois desse início, a pandemia chegou ao Brasil, fazendo com que as pessoas tivessem que abandonar suas rotinas e ficassem em casa, protegidas da doença que se espalhava rapidamente. Nesse cenário, a ideia de sebo itinerante, que levada até a porta das casas um pequeno acervo de preciosos livros por preços bem acessíveis, encaixou-se perfeitamente ao momento. O sebo, que já estava em funcionamento, rapidamente se adaptou à nova realidade – e chegar até a porta dos leitores com o acervo dentro do porta-malas era um momento mágico para clientes e vendedora.

Carro com porta-malas repleto de livros e uma mulher procurando títulos.
O Sebo Essencial funcionou de forma itinerante durante a pandemia de covid-19, levando o acerto até a casa dos leitores para que pudessem escolher seus livros.

“Para mim, foi recompensador”, afirma Claudia, para quem o sebo “ocupou uma lacuna” criada pela quarentena: “(o sebo ajudou-me a) estar mentalmente ocupada (…) – a obrigação de ficar em casa, para uma pessoa como eu, que gosta de se comunicar com as pessoas… Foi um período bem depressivo”. O Sebo Essencial acabou se tornando também uma fonte de renda importante para ela – a pandemia afastou-a do trabalho e deixou-a sem um quinto do salário.

O Sebo Essencial ganhou destaque na imprensa local e também acabou unindo mais a família. “(Meu esposo) deu-me as melhores ideias e dirigia o automóvel, fazia entregas”, conta Claudia. Agora, o Sebo Essencial está sob nova direção – Carina Luft, escritora considerada uma das cem melhores autoras de romances policiais do mundo, vai assumir as atividades do sebo na ausência de Claudia, afastada para investir em sua formação profissional.

“Estou precisando conciliar trabalho, estudo e a administração do sebo – e infelizmente só posso abrir mão, no momento, do que me dá mais prazer”, lamenta Claudia. Carina, outra leitora voraz, já adianta que a gerência é provisória e seu papel será manter o negócio vivo enquanto os livros aguardam por sua verdadeira tutora. Enquanto isso, Montenegro segue tendo a sorte de ter um dos poucos sebos itinerantes do Brasil, capitaneado por gente que ama os livros e nascido de um ato de doação e amizade.

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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