Cinco microcontos de “Histórias para se ler voando”
O escritor Robertson Frizero tem se dedicado, nos últimos anos, à produção e divulgação da chamada Literatura Minimalista. “Tudo começou quando fui convidado para participar de uma antologia de contos de exatas cem palavras. O desafio de escrever uma história com tão limitados recursos me fez estudar mais o tema e me apaixonar pelo formato”, diz Frizero. “Em pouco tempo, tinha já um pequeno acervo de textos e comecei a ministrar cursos de Microliteratura. Daí foi natural que surgisse um projeto para divulgar a excelente produção de meus alunos”, relembra o escritor, referindo-se ao projeto web Literatura Mínima (@literaturaminima no Instagram), que já publicou seis antologias, organizou um prêmio literário internacional de Microliteratura e diariamente é alimentado por novos textos de seu coletivo de autores.
Histórias para se ler voando é o primeiro livro individual de Frizero no campo da Microliteratura. “É importante que meus alunos e leitores possam ter alguma referência minha em Literatura Minimalista, agora que estou tão mergulhado nesse universo”, afirma. E o título é um jogo bem humorado com a velocidade com que se lê esse tipo de texto de pequena extensão e com o fato de, mesmo assim, esses microcontos serem capazes de contar histórias capazes de chocar, divertir e fazer pensar. “Também imaginei que seria um ótimo ebook para quem estivesse em um aeroporto esperando um voo ou mesmo trafegando pelos ares”, brinca Frizero.
O autor selecionou cinco dessas história para apresentar aos leitores. O ebook está sendo distribuído com exclusividade pelo site da Amazon.
Barulho
Ele mudou-se. Os gritos da vizinha atravessavam a parede. Não era uma desinteligência: havia ódio ali. Não podia dormir, nem interferir. Depois, descobriu: havia uma menina, quatro anos, choro abafado pelas ameaças maternas. Orou pela pobrezinha. Um dia, veio uma ambulância; os gritos cessaram. Ele pôde então dormir em paz.
Robertson Frizero – Histórias para se ler voando
Bom velhinho
Tinha dezesseis anos, mas já cuidava de idosos. A mãe, enfermeira, ensinara-lhe tudo. Era diligente, tratava-os com carinho. Feliz, começou a cuidar do ex-Papai Noel local, alegria das criancinhas. No banho, cantava-lhe canções natalinas. O velho, excitado, sonhava em ter de volta suas ereções, como nos tempos de Bom Velhinho.
Robertson Frizero – Histórias para se ler voando
Candura
– Sou eu, Benedito.
– Benedito?
A mãe sorria, mas não estava mais ali. As memórias apagaram-se lentamente. Foi-se embora também a mulher amarga, sempre cruel com Benedito. O esquecimento adocicou-a; chorava se recordavam sua antiga mesquinhez.
– A senhora está linda. – Benedito sussurrou.
A mãe alegrou-se. Benedito perdoou quem já não existia.
Robertson Frizero – Histórias para se ler voando
Colo
Com três aninhos, o menino não entendeu – a mãe chegou acamada da maternidade, sem o irmãozinho prometido. A madrinha orientou-o:
— Mamãe está doentinha, não pode dar colo.
Os movimentos voltaram aos poucos, mas ela nunca mais foi a mesma.
O menino aprendeu: amor de mãe também se declama em silêncio.
Robertson Frizero – Histórias para se ler voando
Cuidados
O misterioso acidente deixou-a acamada; o marido desdobrou-se em cuidados. Do banho às necessidades todas, ele provia. Por ordens médicas, contratou um fisioterapeuta. Sucesso. “Ela está retomando as sensações, em breve voltará a andar!”, disse o rapaz com satisfação, “Ela vai voltar a ser independente!”.
O marido dispensou seus serviços.
Robertson Frizero – Histórias para se ler voando
Histórias para se ler voando
Este livro pretende trazer pequenos espantos em poucas palavras. Pensei neste livro para entreter o leitor em um momento no qual não tenha muito tempo para longos mergulhos na ficção e esteja voando de um compromisso para outro – quem sabe até mesmo, literalmente, em uma viagem a bordo de um voo comercial, rumo a um destino que espera você com novos e excitantes desafios.
Robertson Frizero, autor da obra