Narrador e narração na literatura de ficção
Quando se trata de escrever um texto ficcional o escritor já logo pensa: qual será o tipo de narrador que vai contar essa história? Essa é uma dúvida legítima e importante, pois passa por esta decisão questões que vão se ligar aos efeitos de sentido do que está sendo contado.
Embora os narradores mais comuns sejam em primeira e terceira pessoa, isto é, como um “eu” ou um “ele” que se dirige aos leitores, também se pode narrar um texto em segunda pessoa (destinado a um “você”) ou mesmo na primeira pessoa do plural com o “nós”. Esses últimos, porém, são mais incomuns, embora também possíveis.
Conheça alguns tipos de narradores e suas características. Vem com a gente!
Qual a importância e a diferença de narradores na escrita criativa
Os narradores são fundamentais a qualquer texto ficcional, afinal são os interlocutores com os leitores. São eles que devem criar laços com quem está diante da narrativa, para que ele possa ser fisgado para a história.
Há os narradores confiáveis e os não confiáveis e para cada um deles a narrativa dará pistas, ao longo da leitura, sobre qual tipo de narrador se trata.
Para James Wood, autor de Como funciona a ficção (Cosac Naify, 2012), os narradores em primeira pessoa costumam ser mais confiáveis que não confiáveis, ao passo que os narradores em terceira pessoa tendem a ser mais parciais que oniscientes.
Pode ser legal pensar a história como um jogo, entre narrador e leitor, em que um está descobrir algo do outro e que a cada página há a possibilidade de uma reviravolta. Isso torna tudo mais interessante.
Quais os tipos de narrador e como eles funcionam
Para um escritor inexperiente (mas não somente) escolher o tipo de narrador de uma história é sempre um desafio e não raro motivo de bloqueio criativo. Para vencer essa barreira, Francine Prose, em Para ler como um escritor (Zahar, 2008), propõe um artifício interessante que é o de pensar “narrativas contadas por personagem para outro” (p. 92).
Quando escolhemos um narrador em primeira ou terceira pessoa para contar uma história, isso não implica que este narrador precise ser um único personagem. É o caso, por exemplo, do livro Madame Bovary, cuja história começa sendo contada do ponto de vista de uma colega daquele que mais tarde seria marido de Emma Bovary.
Narrador em segunda pessoa
Muito menos comum são narradores em segunda pessoa, que se dirigem a um “você”. É claro que se esse “você” é um ser completamente vago, por exemplo, mirando o “leitor” no sentido amplo do termo, será muito difícil escrever e tende a não funcionar caso o escritor não tenha completo domínio de sua própria escrita.
Neste caso, vale seguir a dica de Prose que apresentamos acima. A própria autora traz um exemplo interessante em seu livro, que é um conto de Mavis Gallant, chamado Mlle. De Corta.
“Você se mudou para o meu apartamento durante o verão do ano anterior à legalização do aborto na França; isso deveria situar o caso no passado para você, cara Mlle. Dias de Corta. Você acabara de chegar de Paris, vinda de sua cidade natal, que insistia sempre que era Marselha, e estava procurando emprego.”
Narrador em primeira pessoa do plural
Se uma narrativa em segunda pessoa é menos comum, em primeira pessoa do plural – “nós” – é ainda mais rara. Mas existem. Outro exemplo trazido por Prose é “We Didn’t” – Não fizemos, em tradução lilvre – em que o narrador fala de um encontro que se dirige a uma pessoa, mas que inclui o próprio narrador na história.
“Não fizemos na luz; não fizemos no escuro. Não fizemos na grama de versão recém-cortada ou nos montes de folhas do outono ou na neve em que o luar deixava cair as nossas sombras. Não fizemos no seu quarto na cama de dossel em que você dormia, a cama em que você dormia quando criança, ou no assento de trás do Rambler enferrujado do meu pai (…)”
As linguagens do romancista
Nesse jogo entre narrador, personagens e leitor é importante levar em conta certas particularidades no que toca a linguagem da escrita, que é composta sempre a partir de três níveis de interação. Quem nos explica isso é James Wood, no livro citado anteriormente, na página 40:
• “Há a linguagem, o estilo, os instrumentos de percepção etc. do autor”;
• “Há a suposta linguagem, o suposto estilo, os supostos instrumentos de percepção etc. do personagem”;
• “Há o que chamaríamos de linguagem do mundo – a linguagem que a ficção herda antes de convertê-la em estilo literário, a linguagem da fala cotidiana, dos jornais, dos escritórios, da publicidade, dos blogs, dos e-mails”.
Portanto escrever pressupõe muitas camadas. Isso pode parecer difícil e complexo no começo, mas com certeza você já faz isso quando produz suas ficções. A diferença é que, talvez agora, você tenha consciência disso e lançando mão desta consciência possa aproveitá-la em favor de sua narrativa.
O que é importante para você escritor, é levar em conta que a escolha do narrador é, sim, importante, mas é somente um passo. Tudo o que vem depois – a narrativa, portanto – é algo que precisa de atenção e é também fundamental para sua escrita narrativa.
Bem, essa é a delícia e o desafio de casar narrador e narrativa, mas que, sem dúvidas, é fundamental para todo bom texto literário!
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Robertson Frizero
Robertson Frizero é escritor, tradutor e professor de Criação Literária. Sua primeira oficina foi lançada em 2011, e desde então se manteve em atividade contínua, entre oficinas, cursos, palestras e mentorias literárias. Foi jurado do Prêmio Jabuti de Literatura por três anos consecutivos e jurado do Prêmio Açorianos de Literatura. É Mestre em Letras pela PUCRS e especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS.
Frizero é autor de romances e livros infantis premiados, e já publicou também poesia, contos e textos teatrais. Seu livro de estreia, o infantil Por que o Elvis Não Latiu? [8INVERSO, 2010], foi agraciado com o Prêmio Crescer. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias [Dublinense, 2015], ganhou o Prêmio AGES de melhor romance do ano pela Associação Gaúcha de Escritores – AGES e foi finalista dos prêmios São Paulo de Literatura e Açorianos de Literatura. Longe das Aldeias foi também escolhido pelo Governo Federal para distribuição à Rede Pública de Ensino no PNDL Literário 2018. Em 2020, Longe das Aldeias foi traduzido para o árabe e publicado no Kuwait e Iraque, com distribuição para todo o mundo árabe.
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