O conflito na ficção literária – Parte 3 | As circunstâncias do conflito
Robertson Frizero
Hoje encerramos nossa breve trilogia sobre o conflito na ficção literária, abordando o tema das circunstâncias do conflito. Os outros dois tópicos das duas últimas semanas foram O conflito na ficção literária, em sentido mais amplo e conceitual, e O conflito na ficção literária – A transformação do personagem.
Nossa abordagem tem como texto de referência, que nos ajuda com inferências técnicas e literárias, o livro do professor Luiz Antonio de Assis Brasil Escrever ficção. Um manual de criação literária (2019). Neste texto, apresentaremos questões relativas às circunstâncias dos conflitos (positiva ou negativa), bem como qual o papel dos personagens coadjuvantes nessa construção. Vamos lá, ao trabalho!
O que são as circunstâncias do conflito
O que nós já aprendemos sobre o conflito, é que ele se refere àquela encruzilhada existencial que dá sentido ao comportamento, às falas, aos dilemas que o protagonista deve enfrentar.
As circunstâncias do conflito podem ser compreendidas, em certo sentido, como as consequências antevistas pelo personagem diante de sua questão essencial.
Tais circunstâncias podem ser, positivas ou negativas. Isto quer dizer que as saídas ao conflito podem ser “boas” – quando a saída não é propriamente trágica, embora de difícil decisão – ou “más” – quando o desafio imposto força o personagem a escolher pelo menos pior.
Don Juan e o conflito de circunstância positiva
Mozart (compositor musical) e Lorenzo Da Ponte (autor do texto/libreto) nos oferecem com a ópera Dom Juan (D. Giovanni) o conflito do protagonista, um sedutor voraz, que se vê diante do questionamento de abandonar as tantas mulheres a que conquista, pois ao fazer isso com suas falsas promessas de amor engana a todas.
Dom Juan, no entanto, pensando que vai fugir deste conflito oferece uma “saída” positiva, afirmando ao seu interlocutor “Quem é fiel a uma, é cruel para outra; eu, que tenho esse nobre sentimento, quero bem de todas” (excerto retirado da obra de Assis Brasil, 2020, p. 139).
Claro que, embora sejam circunstâncias positivas, o desfecho da obra tem consequências trágicas, mas o que importa aqui é considerar que a natureza circunstancial do conflito é resolvida, pelo personagem, por uma via positiva, sobretudo porque o personagem não é capaz de levar em conta os desdobramentos futuros de seus atos.
Hamlet e o conflito de circunstância negativa
No caso de Hamlet, de Shakespeare, o jovem príncipe se vê diante do conflito de viver em uma sociedade em que um assassino (o próprio tio) é “premiado” com a coroa de rei (herdada do pai de Hamlet assassinado) ou o suicídio (do próprio Hamlet).
Tanto a questão essencial quanto o contexto em que se desdobra a peça produzem estas e tão somente estas circunstâncias de enfrentamento da questão essencial, que no caso são ambas negativas.
Qual é a importância do conflito dos coadjuvantes
Personagens coadjuvantes também possuem conflitos, embora nem sempre, ou quase nunca possuam questões essenciais. O conflito dos coadjuvantes é importante pois, ao trazer questões autênticas relacionadas à vida dos personagens, eles humanizam e tornam a narrativa mais verossímil.
Há outros dois aspectos importantes neste caso. O primeiro deles diz respeito ao fato de que os escritores não devem se deter longamente no conflito dos coadjuvantes, sob pena de se perder o foco do conflito de fundo da obra.
Em segundo lugar, o conflito de um personagem coadjuvante pode levantar perguntas importantes ao próprio protagonista, colocando em perspectiva sua própria questão essencial.
Mas afinal de contas, por que escrever histórias com conflito?
Escrever uma história sem conflito é algo que possivelmente vai desinteressar o leitor, que vai se ver frente a uma sucessão de acontecimentos sem consequências e com possibilidade baixa de gerar empatia.
Produzir conflitos em ficção literária implica colocar as pessoas diante da necessidade de fazer escolhas (o que fazemos o tempo todo em nossa vida cotidiana).
A escolha é a matéria da vida humana, porque nunca sabemos bem se estamos escolhendo de maneira adequada ou não, inclusive porque somos incapazes de antever todas as consequências de nossos atos. Há, contudo, um detalhe importante na ficção literária: um conflito pressupõe a liberdade do personagem em escolher.
Portanto, ao construir seu conflito, considere todos os aspectos apresentados ao longo dos três textos que compõem esta série – da questão essencial às motivações pessoais, transformação do personagem e circunstâncias do conflito – para construir conflitos que sejam humanamente sensíveis e literariamente instigantes aos leitores.
* * *
Encerramos aqui a série sobre conflitos. Evidentemente voltaremos ao tema futuramente, mas estes três textos dão o tom da importância deste tema para escrita criativa ficcional. Desejamos que os conteúdos sejam proveitosos e inspiradores.
Boa escrita!
Clube de criação literária
O Clube de Criação Literária é uma dessas ações de mecenato coletivo – neste caso, em favor do escritor e tradutor Robertson Frizero. Mas, como o próprio nome sugere, é uma ação de mecenato que traz, também, uma ideia inovadora no campo da formação continuada em Escrita Criativa.
Associando-se ao Clube, o participante colabora com o mecenato coletivo e tem acesso a conteúdo exclusivo sobre Criação Literária:
- Material didático, artigos e resenhas de livros de interesse na área de Criação Literária;
- Reuniões on-line e debates sobre Criação Literária, Literatura e Mercado Editorial;
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Robertson Frizero
Robertson Frizero é escritor, tradutor e professor de Criação Literária. Sua primeira oficina foi lançada em 2011, e desde então se manteve em atividade contínua, entre oficinas, cursos, palestras e mentorias literárias. Foi jurado do Prêmio Jabuti de Literatura por três anos consecutivos e jurado do Prêmio Açorianos de Literatura. É Mestre em Letras pela PUCRS e especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS.
Frizero é autor de romances e livros infantis premiados, e já publicou também poesia, contos e textos teatrais. Seu livro de estreia, o infantil Por que o Elvis Não Latiu? [8INVERSO, 2010], foi agraciado com o Prêmio Crescer. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias [Dublinense, 2015], ganhou o Prêmio AGES de melhor romance do ano pela Associação Gaúcha de Escritores – AGES e foi finalista dos prêmios São Paulo de Literatura e Açorianos de Literatura. Longe das Aldeias foi também escolhido pelo Governo Federal para distribuição à Rede Pública de Ensino no PNDL Literário 2018. Em 2020, Longe das Aldeias foi traduzido para o árabe e publicado no Kuwait e Iraque, com distribuição para todo o mundo árabe.
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