O conflito na ficção literária – Parte 2 | A transformação do personagem
Robertson Frizero
Seguimos nossa trilogia de textos sobre o conflito na ficção literária, desta vez pensando sobre a transformação do personagem. Este é o segundo texto de nosso especial sobre o conflito na escrita criativa. Na próxima semana vamos abordar o tema da contextualização do conflito.
Conforme pudemos ver no texto anterior, a questão essencial de cada personagem produz impactos decisivos na perspectiva de como eles vão lidar com seus conflitos. Isso é importante, pois quando um personagem se transforma não implica que ele, por exemplo, de “vilão” torna-se “mocinho”, mas sim, que ele passa a encarar seus dilemas desde outro ponto de vista.
O que significa falar em “transformação do personagem”
Como informamos no último texto, esta série é inspirada no livro do professor Assis Brasil – Escrever ficção. Um manual de criação literária (2019). O professor enfatiza que devemos compreender a transformação do personagem não a partir de uma compreensão de senso comum que banalizou seu significado, compreendendo tal mudança como o “processo” de transformar quem era malvado em bonzinho.
Há ainda outro aspecto a se ressaltar. Não se trata, em nenhuma medida, que uma hipotética “resolução” do conflito – que significa que o personagem enfrentou seu dilema, não que o resolveu – elimine a questão essencial do personagem. Esta continua latente, pois é algo que conforma a existência do personagem no mundo construído pela narrativa ficcional. Algo, portanto, fundamental.
Qual a dinâmica e a estrutura do conflito
Uma das condições sem as quais não existe um conflito na escrita criativa é que ele não surja, como diriam pomposamente os filósofos, ex nihilo, ou seja, do nada,. Não faz sentido um conflito que apareça na história como quem cai de paraquedas na vida “perfeita” do personagem.
Para isso é importante humanizar seus personagens. Isso significa que eles são mais interessantes não por ocuparem a fantasiosa posição de “bom” ou “mau” na narrativa, mas, sobretudo, por conterem em si próprios essas duas dimensões.
Tendo isso em mente, podemos então pensar a dinâmica e a estrutura do conflito a partir de um padrão que se repete nos melhores textos ficcionais e que é apresentado por Assis Brasil da seguinte forma.
Protagonista e antagonista, uma fórmula batida
É óbvio que você pode escrever uma narrativa em que o conflito da narrativa se articula entre a luta do bem contra o mal encarnados no protagonista e antagonista. Contudo, lembre-se: esta é uma fórmula batida e muito convidativa ao leitor para abandonar o seu romance tão logo ele perceba essa estratégia.
Isso porque, neste caso, sabemos que a tendência de desfecho desta estória tenderá, o quer que aconteça, à “vitória” do mocinho, sem que haja neste caso a transformação do personagem. Está errado? Não, mas é uma forma pobre de contar uma história.
O fato de justamente sermos humanos – e queremos que nossos personagens também o sejam, afinal nosso intuito é gerar empatia com o leitor – faz com que a maneira como encaramos os dilemas de nossa vida vá mudando ao longo do tempo.
Com a escrita criativa ocorre o mesmo. Para que haja a possibilidade de transformação do personagem é necessário que ele não esteja estruturado de forma binária e polarizada, mas que contenha em si mesmo essa dualidade.
Disso decorre a necessidade de sempre contextualizarmos qual a situação inicial do personagem na narrativa e como a sucessão de eventos que ocorrem com ele vai produzindo uma transformação na forma como ele encara a vida e sua questão essencial, que continua a mesma, mas vista desde outro prisma.
* * *
Na próxima semana, para fechar esse trinca de textos sobre o conflito, vamos falar da contextualização narrativa do conflito e como as circunstâncias em jogo podem acrescentar uma camada a mais de complexidade aos textos de ficcção.
Clube de criação literária
O Clube de Criação Literária é uma dessas ações de mecenato coletivo – neste caso, em favor do escritor e tradutor Robertson Frizero. Mas, como o próprio nome sugere, é uma ação de mecenato que traz, também, uma ideia inovadora no campo da formação continuada em Escrita Criativa.
Associando-se ao Clube, o participante colabora com o mecenato coletivo e tem acesso a conteúdo exclusivo sobre Criação Literária:
- Material didático, artigos e resenhas de livros de interesse na área de Criação Literária;
- Reuniões on-line e debates sobre Criação Literária, Literatura e Mercado Editorial;
- Vídeos, áudios, apresentações e sessões de mentoria literária em grupo;
- Sorteios mensais de livros e serviços de mentoria literária individual e leitura crítica.
Desafio de literatura 2021: envie suas resenhas e ganhe prêmios
Conhece o Desafio de literatura 2021 do site Frizero? Você pode publicar sua resenha literária em nossa página e de quebra ganhar o livro Dostoiévski – Correspondências (1838-1880), do escritor russo que completa duzentos anos de nascimento em 2021. A edição foi traduzida por Robertson Frizero.
Como devo escrever e enviar minha resenha
No mês de junho o desafio é ler um romance policial escrito por uma autora brasileira.
Para participar basta enviar seu texto para sitefrizero@gmail.com com o assunto [DESAFIO DE LITERATURA – NOME DO PARTICIPANTE].
Lembre-se deixar no formato .doc com a seguinte formatação: Times New Roman, 12, espaçamento 1.5, título e autor no nome do arquivo.
Caso sua resenha seja escolhida para publicação, você receberá um e-mail solicitando dados para o recebimento da premiação.
Robertson Frizero
Robertson Frizero é escritor, tradutor e professor de Criação Literária. Sua primeira oficina foi lançada em 2011, e desde então se manteve em atividade contínua, entre oficinas, cursos, palestras e mentorias literárias. Foi jurado do Prêmio Jabuti de Literatura por três anos consecutivos e jurado do Prêmio Açorianos de Literatura. É Mestre em Letras pela PUCRS e especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS.
Frizero é autor de romances e livros infantis premiados, e já publicou também poesia, contos e textos teatrais. Seu livro de estreia, o infantil Por que o Elvis Não Latiu? [8INVERSO, 2010], foi agraciado com o Prêmio Crescer. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias [Dublinense, 2015], ganhou o Prêmio AGES de melhor romance do ano pela Associação Gaúcha de Escritores – AGES e foi finalista dos prêmios São Paulo de Literatura e Açorianos de Literatura. Longe das Aldeias foi também escolhido pelo Governo Federal para distribuição à Rede Pública de Ensino no PNDL Literário 2018. Em 2020, Longe das Aldeias foi traduzido para o árabe e publicado no Kuwait e Iraque, com distribuição para todo o mundo árabe.
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