Sete perguntas para Hisham Al-Harbi
Robertson Frizero
O mercado editorial do mundo árabe é um dos que mais crescem no mundo. Iniciativas como a Feira Internacional do Livro de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos, e o grande interesse dos leitores de língua árabe pela literatura de outros países fazem com que cada vez mais autores internacionais sejam traduzidos para aquele idioma.
Hisham Al-Harbi é escritor, tradutor e conferencista. Al-Harbi é um jovem saudita com uma vasta bagagem cultural e um profundo interesse pela América Latina. Em entrevista exclusica ao site de Robertson Frizero, o tradutor fala sobre seu trabalho.
Robertson Frizero – Começo agradecendo imensamente por sua generosidade em conceder esta entrevista. Gostaria de pedir que você se apresentasse aos leitores brasileiros em poucas palavras.
Hisham Al-Harbi – Eu é que devo agradecer por esta oportunidade. Sinto-me um homem de sorte quanto um escritor como você, que tem tanta experiência na Literatura, tão criativo e uma pessoa especial em nível pessoal, mostra interesse pelo meu trabalho. Bem, apresentando-me para os leitores brasileiros, meu nome é Hisham Al-Harbi, sou um escritor saudita e tradutor como diversos livros publicados e algumas colaborações. Eu resido em Meca, no oeste do reino da Arábia Saudita.
Robertson Frizero – Que tipo de livros você escreve? E quando começou a sua carreira literária?
Hisham Al-Harbi – Eu gosto de escrever Literatura – em especial, prosa ficcional. Mas eu procuro não me dedicar a apenas um gênero específico, que estreite a minha mente e limite minha liberdade; por exemplo, eu não me prendo a certas correntes literárias ou escolas da literatura que possam me restringir, simplesmente porque hoje posso seguir algo delas, mas amanhã tomar novos rumos. Eu amo a amplitude das possibilidades, em especial no que diz respeito à imaginação e seu lado mais selvagem – e como isso é algo que me inquieta muito, eu considero qualquer afiliação com qualquer escola uma pena de morte para a alma e para a liberdade moral, e elas não devem ser limitadas de nenhum modo.
Quando comecei a escrever? Em um momento muito distante de agora, embora eu me considere ainda bem jovem – tenho vinte e oito anos! Lembro que foi nos meus primeiros anos de vida, quando comecei a contar histórias. Eu não tinha preparação nenhuma: juntava meus irmãos e todas as noites contava para eles uma história antes de dormir, algo que eu não tinha preparado, improvisada, e ríamos muito, era divertido; eu não tinha noção de que, naquele momento, surgiam as sementes de algo maior, que poderia continuar comigo até o meu último suspiro. Era a preparação de um escritor que começaria efetivamente a escrever aos treze anos de idade, história atrás de história, para depois distribuir impressos entre a família e os amigos, aguardando suas reações, se positivas ou negativas, e o porquê… Era algo estranho e novo para eles, nunca houve outro escritor entre nós. Na minha biblioteca familiar, não havia nenhum livro de literatura que pudesse ser visto como a motivação do que eu escrevia. Era algo estranho, como se aquilo estivesse escondido dentro de mim, esperando para vir à luz do dia. Não sei o que me motivava a escrever tão freneticamente àquela idade! Quem eu estava imitando? Ninguém. Eu entrei no mundo da literatura em uma época na qual eu sequer sabia o que era literatura. Foi como se eu entrasse em um grande salão sem olhar o que estava escrito no cartaz do lado de fora – e como tive sorte ao entrar nesse salão chamado Literatura!
Robertson Frizero – É difícil publicar na Arábia Saudita? Os sauditas gostam de ler e apoiam os autores locais?
Hisham Al-Harbi – Em certa medida, é difícil. Como em qualquer lugar, você precisa ter conhecimento e contatos aqui e ali para que aqueles que trabalham no mercado editorial vejam o seu livro. E aqui, os escritores precisam fazer tudo sozinhos, porque não há agentes literários a conectar o escritor e os editores, a ser essa ponte. Sendo assim, o escritor precisa bater à porta das editoras por conta própria; se ele tiver sorte e alguém lhe der atenção, ainda assim ele não escapará da grande quantidade de dinheiro que terá que pagar para que concordem em publicar seu livro. Quando o livro estiver pronto, ele ainda terá que promover seu livro nas redes sociais e enviar cópias do livro para os críticos e para a imprensa. E a crítica literária, acredite, não é grande coisa por aqui; eu sinto que a crítica literária está morrendo, quase já não existe. No fim das contas, todo esse processo é muito estressante para o escritor – e se ele é um jovem escritor, em seus primeiros passos, vai precisar de calma e paciência, pois é algo realmente cansativo, complicado…
Quanto o apoio aos escritores locais, isso só acontece com escritores famosos por suas indicações e vitórias em prêmios literários ou por sua exposição na mídia social – mas nunca de forma expressiva, eu diria, apenas para alguns. E as razões são muitas, uma delas é que a maioria dos leitores ainda prefere ler os clássicos da cultura árabe ou traduções de livros estrangeiros, em detrimento da produção local.
Robertson Frizero – Além de autor, você também é tradutor. Você tem seus próprios projetos de tradução ou as editoras contratam você para os projetos deles? Pode nos dizer que autores já traduziste para o árabe?
Hisham Al-Harbi – A maioria dos livros que traduzi são o resultado da minha escolha pessoal: eu converso com a editora sobre a importância do livro, mostro que ele não foi traduzido para o árabe antes, mas muitas vezes eu começo a traduzir sem esperar resposta – o livro é bonito e eu não posso esperar. Tradução é algo que gosto muito de fazer, e eu traduzi muito mais do que já foi publicado: há romances, peças, coletâneas e cartas, tudo ainda inédito; espero ver publicado em breve.
Entre os escritores que traduzi, especialmente nos livros que foram publicados, estão Pablo Neruda, Maria Elena Walsh, Jorge Luís Borges, Amado Nervo, Antonio Machado, Vicente Huidobro, Juan Ramón Jimenez, José Hierro, José Martí, César Vallejo, Gabriela Mistral, Federico García Lorca, Karina Galvez, Nicanor Parra, Nicolás Guillén, Ruben Dario, Octavio Paz, Nancy Morejón, Anna Maria Matute Ausejo, além do escritor francês Jacques Bonnet.
Robertson Frizero – Você conhece a Literatura Brasileira? Que autores têm sido lidos pelos leitores sauditas?
Hisham Al-Harbi – Não sei exatamente o que os outros leram da Literatura Brasileira ou se conhecem qualquer um de seus escritores, mas posso falar do que vejo nas bibliotecas e livrarias: quase todas as obras de Jorge Amado, senão todas, estão traduzidas para o árabe e estão sempre em destaque nas estantes. Para mim, mais que Jorge Amado (gosto especialmente de “A Morte e a morte de Quincas Berro D’Água”), adoro ler Machado de Assis (e quem ler meu romance “A Filha de Posêidon” [ainda sem tradução para o português] saberá a extensão de sua influência sobre mim, especialmente seu conto “A Missa do Galo”). Gosto também dos contos de Graciliano Ramos (“Dois Dedos”, “O relógio do hospital”, “Um ladrão”), da obra-prima de Jorge Medauar, “O dinheiro do Caju”, das histórias de Monteiro Lobato (“Os Negros” é minha preferida) e outros tantos autores. Aprecio essas obras e semre retorno a elas.
Robertson Frizero – Quais são seus autores favoritos? Que autores árabes você gostaria de ver traduzidos para o português?
Hisham Al-Harbi – Eu amo o trabalho de Dostoiévski; foi um dos primeiros escritores que li – seu belo e profundo romance “O idiota” – o personagem do Príncipe Míchkin é muito parecido comigo; passei de uma situação de saúde difícil e, assim que li o livro, procurei saber tudo sobre o escritor e descobri que Dostoiévski colocou grande parte de sua vida dentro de seu trabalho. Gostei tanto do escritor que li todas as suas obras traduzidas para o árabe – e aquelas que não foram traduzidas, li em inglês. Até li suas cartas, que estavam em dois grandes volumes, além de seu “Diário de Um Escritor”, e tento ler tudo o que se escreveu sobre, incluindo os cinco grandes volumes da vida de Dostoievski, do escritor americano Joseph Frank. Franz Kafka também tem um papel importante na minha vida, assim como José Saramago, Fernando Pessoa – seus poemas e de seus heterônimos (que também estão em “A Filha de Posêidon”) e alguns clássicos, como Dante Alighieri, Ovídio – a quem sou muito grato –, e não esquecendo o maravilhoso Goethe ou Anton Chekhov e seus contos. Sou muito grato a esses escritores que eu amo, porque graças a eles aprendi a amar as histórias e o prazer de contá-las… Esqueci de citar “As Mil e Uma Noites”, que eu adoro e também teve uma grande influência em mim durante meus primeiros anos de vida; eu ainda leio esses contos de vez em quando. Então, a resposta é que não se trata de um único livro, mas, sim, de uma árvore ramificada de livros que tiveram um grande papel na minha maturidade e alimentaram o fogo do entusiasmo na minha imaginação e no meu coração até que eu me fizesse o escritor que sou hoje.
Em relação aos livros que gostaria de ver traduzidos para o português, não sei… Há muitos, e talvez alguns deles já tenham até sido traduzidos. Espero que as obras de Naguib Mahfouz, Abdul Rahman Munif, Jabra Ibrahim Jabra, Gibran Khalil Gibran, Yahya Haqqi e Mahmoud Darwish tenham chegado ao português. É difícil para mim lembrar de todos eles, mas estes são os que me vêm primeiro à mente – são, todos, donos de uma pena eloquente e suas obras são bem conhecidas na literatura árabe por causa de sua grande beleza, profundidade e, acima de tudo, por levarem ao leitor o prazer de querer virar página após página – em mim, todos eles causam, ao mesmo tempo, um maravilhoso prazer interior.
Robertson Frizero – E qual será o seu próximo passo? Há algum livro novo, tradução ou projeto literário para 2021?
Hisham Al-Harbi – Há um grande romance meu para ser publicado; venho me preparando para isso há muito tempo. Não sei explicar, mas esse livro é, entre os que eu concluí, aquele que eu mais quero ver publicado; é como se ele fosse uma criança chorando que quer chamar a atenção para ele, algo nele quer dizer: “Estou aqui e eu quero que todos me segurem em suas mãos porque eu mereço”. É essa a sensação, e não há aqui nenhuma ilusão auditiva ou imaginação, nem digo isso para usar a entrevista com malícia, para fazer propaganda, não: quem me conhece de perto sabe que essa é a última coisa que eu faria. Pelo contrário, eu não falo muito dos meus livros. Então, esse é um romance que quer vir à luz, e pode sair em breve. Em verdade, foi muito cansativo em muitos aspectos, mas eu gostei de escrevê-lo. E, como acontece comigo a cada novo livro que escrevo, peço desculpas aos leitores desde já pelo seu grande tamanho, que pode chegar a quinhentas páginas. Tentei reduzir o número de páginas, mas é essa a história, tudo o que está nela; mas é possível que eu ainda possa alterar algumas coisas “no andar da carruagem”.
Em verdade, os temas que estão nele – e muito raramente eu falo sobre o livro antes de ser publicado – envolvem a morte, anjos, o bem e o mal na vida e no ser humano, Deus, e também como isso afeta a sociedade… São temas em que eu me vejo mergulhando tão profundamente o quanto eu posso.
Quanto à tradução, há dois livros: o primeiro de um poeta português no século XX (não é Fernando Pessoa) e o outro de um romancista americano – isso é o que posso dizer até agora, porque podem não ser publicados, mas estão finalizados e agora é esperar para ver o que vai acontecer em um futuro próximo. Prometo que irei anunciar quando tudo estiver aertado.
Do fundo do meu coração, eu agradeço por essa entrevista – ela ajudou-me a me conhecer um pouco mais, e também recordar livros e memórias antigas que esse momento difícil, que todo o mundo está experimentando agora, fizeram-me esquecer. Deus abençoe a todos os brasileiros e todos os povos ao redor do mundo.
Robertson Frizero
Robertson Frizero é escritor, tradutor e professor de Criação Literária. Sua primeira oficina foi lançada em 2011, e desde então se manteve em atividade contínua, entre oficinas, cursos, palestras e mentorias literárias. Foi jurado do Prêmio Jabuti de Literatura por três anos consecutivos e jurado do Prêmio Açorianos de Literatura. É Mestre em Letras pela PUCRS e especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS.
Frizero é autor de romances e livros infantis premiados, e já publicou também poesia, contos e textos teatrais. Seu livro de estreia, o infantil Por que o Elvis Não Latiu? [8INVERSO, 2010], foi agraciado com o Prêmio Crescer. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias [Dublinense, 2015], ganhou o Prêmio AGES de melhor romance do ano pela Associação Gaúcha de Escritores – AGES e foi finalista dos prêmios São Paulo de Literatura e Açorianos de Literatura. Longe das Aldeias foi também escolhido pelo Governo Federal para distribuição à Rede Pública de Ensino no PNDL Literário 2018. Em 2020, Longe das Aldeias foi traduzido para o árabe e publicado no Kuwait e Iraque, com distribuição para todo o mundo árabe.
Parabéns a vocês dois, adorei a entrevista cheia de conhecimentos literários!
Foi muito legal ler o que acontece do outro lado do mundo, o que são lidos os projetos etc
Parabens